Por Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins *
Desde 1930, denominada oficialmente Cidade de João Pessoa, a capital paraibana está a completar 425 anos de fundação, ocorrida em 1585. Essa fundação, todavia, para surpresa de muitos, não se deu no dia 5 de agosto como reza uma “fantasia” anti-histórica mais ou menos recente, festejada como “verdade oficial”, mas ocorreu, sim, no dia 4 de novembro, data que precisa ser restaurada, o quanto antes, em respeito à realidade histórica desta terra, apoiada que está em documentação coeva e fidedigna. As autoridades competentes devem essa retificação de data à população paraibana de um modo geral, particularmente às nossas crianças em início do aprendizado, mas também aos estudiosos da nossa História local.
A manutenção e perpetuação daquele erro grosseiro de data é simplesmente inaceitável porque agride um importante e detalhado depoimento manuscrito de uma confiável testemunha ocular da fundação desta cidade em 1585, ou seja, o jesuíta anônimo, autor do Sumário das Armadas. Dessa maneira, a persistência do citado erro grosseiro caracteriza um lamentável desrespeito à integridade histórica da Paraíba e só depõe contra a própria terra e sua gente.
Diga-se desde já que não sou o primeiro a lamentar este triste constrangimento de natureza histórica. Antes de mim, conceituados pesquisadores como Durwal Albuquerque (1937, 1946) e Horácio de Almeida (1966, 1978, 1997) já o fizeram sem resultar daí qualquer efeito (Como a mentira histórica se enraíza fortemente...), entretanto, tenho a esperança de ser o último a fazê-lo, caso contrário serei obrigado a adotar a tática da denúncia permanentemente repetitiva desse erro histórico até vir a ser ouvido. Tal medida extrema se justifica porque a situação atual, por analogia, pode ser comparada, por exemplo, a uma outra hipotética e absurda na qual alguém resolveria adotar oficialmente o Dia do Fico (9 de janeiro de 1822) como o Dia da Independência do Brasil (7 de setembro de 1822).
Atente-se também para o fato de que, dentre os principais representantes da historiografia paraibana, a aludida agressão histórica contra a verdadeira data de fundação da capital paraibana não foi cometida (nem poderia ter sido cometida) por autores do quilate de Maximiano Lopes Machado (ao se apoiar em fonte primária), Irineu Ferreira Pinto (ao seguir boa fonte secundária), João Rodrigues Coriolano de Medeiros (ao acompanhar boa fonte secundária), Celso Mariz (ao se guiar por boa fonte secundária) e Horácio de Almeida (ao respeitar uma fonte primária). O mesmo pode ser dito em relação a dois dos mais lídimos representantes da historiografia nacional nos séculos XVII e XIX, Frei Vicente do Salvador e Francisco Adolpho de Varnhagen, ambos apoiados em fonte primária.
De todo modo, não importa procurar saber aqui quem foi o responsável moderno por aquele erro grosseiro sobre a data de fundação da capital paraibana mas sim esclarecer, ao menos superficialmente, a correspondente realidade histórica a fim de oferecer subsídios para a retificação da malsinada equivocação. Segue-se, pois, um sumário bastante elementar dos fatos em questão.
A festejada data de 5 de agosto de 1585 (consagrada à Nossa Senhora das Neves) nunca foi o Dia da Fundação da capital paraibana mas sim o Dia das Pazes celebradas entre o elemento colonizador português (tendo à frente João Tavares, acompanhado de mais sete portugueses, no comando de uma caravela que levara ainda 12 soldados espanhóis, a qual seguiu na dianteira para a Paraíba por ordem do Ouvidor Geral Martim Leitão) e os indígenas da facção dos tabajara (com destaque para Pirajiba e Guirajiba).
Uma vez conseguidas essas pazes com os tabajara, nenhuma obra marcando a fundação da capital paraibana foi levantada naquela ocasião por João Tavares e seus companheiros de caravela. Ficaram eles, além de a observar os melhores sítios para se iniciar uma povoação a partir de um forte para a sua defesa, também a aguardar o corpo expedicionário propriamente dito que estava para vir por terra de Pernambuco sob o comando do Ouvidor Geral Martim Leitão. Esse corpo expedicionário chegou à Paraíba somente a 29 de outubro de 1585. É claro que ao Ouvidor Geral Martim Leitão coube a palavra final sobre a escolha do local onde foi levantada a primeira obra da capital paraibana, ou seja, o forte do Varadouro, iniciado precisamente no dia 4 de novembro de 1585 (e concluído antes de 20 de janeiro de 1586).
Assim, o dia 4 de novembro de 1585 é a verdadeira data da fundação da capital paraibana, que teve por padroeira Nossa Senhora das Neves em homenagem àquele feliz Dia das Pazes (5 de agosto de 1585) com os índios da facção tabajara.
Em quem me baseio para afirmar tudo isso ? Obviamente no Sumário das Armadas (a mais antiga crônica da Paraíba em língua portuguesa), cujo autor foi testemunha presencial desses feitos. Tudo o mais não passa de um lamentável equívoco histórico que inclusive possui adeptos (desavisados) mas esse erro crasso precisa de urgente retificação para que nos livremos de uma pecha muito pouco recomendável. Em tempo, há também quem, diante dessa questão tão incômoda se pronuncie da forma mais ambígua possível dizendo que “tanto faz uma data como a outra” (?) ou que “data não importa” (?). Os que pensam assim precisam buscar uma explicação mais convincente, caso contrário não haveria nenhum problema, por exemplo, em comemorar a nossa Independência no dia do Natal.
Para finalizar, alguém haverá de perguntar: “Se fizermos essa retificação o que acontecerá com o dia 5 de agosto?” O dia 5 de agosto continuará sendo, como sempre foi, o Dia da Padroeira (da capital paraibana, ou seja, o Dia de Nossa Senhora das Neves), que abrange da mesma maneira a tradicional Festa das Neves, todavia não mais poderá ser chamado de Dia da Fundação ou Dia do Aniversário da cidade, mas até o Dia das Pazes (com os tabajara). Só que no dia 4 de novembro teremos que comemorar de alguma maneira o Aniversário ou a Fundação desta cidade. Faça-se, pois, justiça à História da Paraíba que, infelizmente, vem sendo repetitivamente agredida (neste e em vários outros aspectos) por alguns dos seus modernos guardiães.
* Professor Emérito da Universidade Federal da Paraíba, Membro Efetivo da Academia Paraibana de Letras, Membro Efetivo da Academia de Letras e Artes do Nordeste, Membro Efetivo da Academia Paraibana de Filosofia, Membro Efetivo da Academia Paraibana de Medicina, Membro Efetivo do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica, Membro Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e Membro Correspondente dos Institutos Históricos e Geográficos do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Bahia, São Paulo e Paraná.
Crédito da imagem: Globo Filmes
Desde 1930, denominada oficialmente Cidade de João Pessoa, a capital paraibana está a completar 425 anos de fundação, ocorrida em 1585. Essa fundação, todavia, para surpresa de muitos, não se deu no dia 5 de agosto como reza uma “fantasia” anti-histórica mais ou menos recente, festejada como “verdade oficial”, mas ocorreu, sim, no dia 4 de novembro, data que precisa ser restaurada, o quanto antes, em respeito à realidade histórica desta terra, apoiada que está em documentação coeva e fidedigna. As autoridades competentes devem essa retificação de data à população paraibana de um modo geral, particularmente às nossas crianças em início do aprendizado, mas também aos estudiosos da nossa História local.
A manutenção e perpetuação daquele erro grosseiro de data é simplesmente inaceitável porque agride um importante e detalhado depoimento manuscrito de uma confiável testemunha ocular da fundação desta cidade em 1585, ou seja, o jesuíta anônimo, autor do Sumário das Armadas. Dessa maneira, a persistência do citado erro grosseiro caracteriza um lamentável desrespeito à integridade histórica da Paraíba e só depõe contra a própria terra e sua gente.
Diga-se desde já que não sou o primeiro a lamentar este triste constrangimento de natureza histórica. Antes de mim, conceituados pesquisadores como Durwal Albuquerque (1937, 1946) e Horácio de Almeida (1966, 1978, 1997) já o fizeram sem resultar daí qualquer efeito (Como a mentira histórica se enraíza fortemente...), entretanto, tenho a esperança de ser o último a fazê-lo, caso contrário serei obrigado a adotar a tática da denúncia permanentemente repetitiva desse erro histórico até vir a ser ouvido. Tal medida extrema se justifica porque a situação atual, por analogia, pode ser comparada, por exemplo, a uma outra hipotética e absurda na qual alguém resolveria adotar oficialmente o Dia do Fico (9 de janeiro de 1822) como o Dia da Independência do Brasil (7 de setembro de 1822).
Atente-se também para o fato de que, dentre os principais representantes da historiografia paraibana, a aludida agressão histórica contra a verdadeira data de fundação da capital paraibana não foi cometida (nem poderia ter sido cometida) por autores do quilate de Maximiano Lopes Machado (ao se apoiar em fonte primária), Irineu Ferreira Pinto (ao seguir boa fonte secundária), João Rodrigues Coriolano de Medeiros (ao acompanhar boa fonte secundária), Celso Mariz (ao se guiar por boa fonte secundária) e Horácio de Almeida (ao respeitar uma fonte primária). O mesmo pode ser dito em relação a dois dos mais lídimos representantes da historiografia nacional nos séculos XVII e XIX, Frei Vicente do Salvador e Francisco Adolpho de Varnhagen, ambos apoiados em fonte primária.
De todo modo, não importa procurar saber aqui quem foi o responsável moderno por aquele erro grosseiro sobre a data de fundação da capital paraibana mas sim esclarecer, ao menos superficialmente, a correspondente realidade histórica a fim de oferecer subsídios para a retificação da malsinada equivocação. Segue-se, pois, um sumário bastante elementar dos fatos em questão.
A festejada data de 5 de agosto de 1585 (consagrada à Nossa Senhora das Neves) nunca foi o Dia da Fundação da capital paraibana mas sim o Dia das Pazes celebradas entre o elemento colonizador português (tendo à frente João Tavares, acompanhado de mais sete portugueses, no comando de uma caravela que levara ainda 12 soldados espanhóis, a qual seguiu na dianteira para a Paraíba por ordem do Ouvidor Geral Martim Leitão) e os indígenas da facção dos tabajara (com destaque para Pirajiba e Guirajiba).
Uma vez conseguidas essas pazes com os tabajara, nenhuma obra marcando a fundação da capital paraibana foi levantada naquela ocasião por João Tavares e seus companheiros de caravela. Ficaram eles, além de a observar os melhores sítios para se iniciar uma povoação a partir de um forte para a sua defesa, também a aguardar o corpo expedicionário propriamente dito que estava para vir por terra de Pernambuco sob o comando do Ouvidor Geral Martim Leitão. Esse corpo expedicionário chegou à Paraíba somente a 29 de outubro de 1585. É claro que ao Ouvidor Geral Martim Leitão coube a palavra final sobre a escolha do local onde foi levantada a primeira obra da capital paraibana, ou seja, o forte do Varadouro, iniciado precisamente no dia 4 de novembro de 1585 (e concluído antes de 20 de janeiro de 1586).
Assim, o dia 4 de novembro de 1585 é a verdadeira data da fundação da capital paraibana, que teve por padroeira Nossa Senhora das Neves em homenagem àquele feliz Dia das Pazes (5 de agosto de 1585) com os índios da facção tabajara.
Em quem me baseio para afirmar tudo isso ? Obviamente no Sumário das Armadas (a mais antiga crônica da Paraíba em língua portuguesa), cujo autor foi testemunha presencial desses feitos. Tudo o mais não passa de um lamentável equívoco histórico que inclusive possui adeptos (desavisados) mas esse erro crasso precisa de urgente retificação para que nos livremos de uma pecha muito pouco recomendável. Em tempo, há também quem, diante dessa questão tão incômoda se pronuncie da forma mais ambígua possível dizendo que “tanto faz uma data como a outra” (?) ou que “data não importa” (?). Os que pensam assim precisam buscar uma explicação mais convincente, caso contrário não haveria nenhum problema, por exemplo, em comemorar a nossa Independência no dia do Natal.
Para finalizar, alguém haverá de perguntar: “Se fizermos essa retificação o que acontecerá com o dia 5 de agosto?” O dia 5 de agosto continuará sendo, como sempre foi, o Dia da Padroeira (da capital paraibana, ou seja, o Dia de Nossa Senhora das Neves), que abrange da mesma maneira a tradicional Festa das Neves, todavia não mais poderá ser chamado de Dia da Fundação ou Dia do Aniversário da cidade, mas até o Dia das Pazes (com os tabajara). Só que no dia 4 de novembro teremos que comemorar de alguma maneira o Aniversário ou a Fundação desta cidade. Faça-se, pois, justiça à História da Paraíba que, infelizmente, vem sendo repetitivamente agredida (neste e em vários outros aspectos) por alguns dos seus modernos guardiães.
* Professor Emérito da Universidade Federal da Paraíba, Membro Efetivo da Academia Paraibana de Letras, Membro Efetivo da Academia de Letras e Artes do Nordeste, Membro Efetivo da Academia Paraibana de Filosofia, Membro Efetivo da Academia Paraibana de Medicina, Membro Efetivo do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica, Membro Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e Membro Correspondente dos Institutos Históricos e Geográficos do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Bahia, São Paulo e Paraná.
Crédito da imagem: Globo Filmes