domingo, 10 de novembro de 2013

domingo, 10 de novembro de 2013


Nem tudo que reluz é ouro ou as cintilações ofuscadoras dos objetivos da Academia

Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins *


Durante suas sete primeiras décadas a Academia Paraibana de Letras (APL) vinha caminhando principalmente ao longo de duas rotas muito representativas, ou seja, a própria riqueza intelectual e a modéstia de suas instalações físicas, decorrente da penúria financeira que lhe é peculiar. Embora algo incômoda, essa aparência exterior pouco suntuosa tem até reforçado sua tradicional austeridade. Acrescente-se ainda que, de um modo geral, a tônica das demais entidades congêneres não é muito diferente. Apesar disso, bem ou mal, todas elas vêm sobrevivendo com pouco trato cosmético e às custas de seus conteúdos intelectuais e culturais. Que não se entenda aqui que considero dispensável a beleza material mas esta andorinha por si só não faz verão num Academia de Letras.
Por certo a beleza material da APL será sempre bem-vinda até porque nosso tradicional emblema acadêmico (inspirado no da Academia Francesa [1635], no da Academia Nacional de Me)dicina [1829], no do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro [1838] e obviamente no da Academia Brasileira de Letras [1897]) contém justamente a expressão latina DECUS ET OPUS (ESTÉTICA E TRABALHO). Não nos esqueçamos, entretanto, que aí o DECUS diz respeito à beleza do conteúdo literário e cultural pois se trata de uma instituição voltada para estas áreas. Aliás, este DECUS até pode transbordar seu significado para a aparência externa embora, às vezes, isto possa ser enganoso pois, como já disse o inesquecível e inevitável Exupéry, "O essencial é invisível aos olhos". De qualquer forma, seja qual for o significado dessa palavra, é evidente que no nosso caso o DECUS não se sustenta sem o OPUS. Isto porque o OPUS naquele emblema acadêmico se reporta às obras (latu sensu) de natureza intelectual que constituem o sopro de vida da entidade. Não se deve confundir, porém, essas obras ou atividades de natureza intelectual com certos eventos regimentais do tipo homenagem póstuma ou posse acadêmica porque tais atividades, tão necessárias e louváveis, cumprem apenas específicas obrigações administrativas da instituição e até ultrapassam os muros da Academia mediante suas repercussões sociais. Independente disso, tais solenidades precisam respeitar a austeridade dos seus ritos tradicionais, tidos como praxes consuetudinárias, por isso mesmo imunes a inovações extra petita. Neste particular, infelizmente, muita coisa ali está "fora de lugar", como já disse Geraldo Vandré.
É que nos últimos tempos a APL vem esquecendo sua original vocação, preponderantemente intelectual e cultural, e está a adotar agora uma trilha cultivadora da aparência externa (de conteúdo distorcido) em que sobra o que reluz e cintila. "Coroando" essa nova senda, entre outras novidades e sem qualquer endosso legal, alterou-se seu tradicional rito de posse, transformando-o numa afetada encenação teatral quase patética, até então inédita na sua história e inexistente nas entidades congêneres, inclusive a Academia Brasileira de Letras, a qual, como fonte inspiradora é a mater familiae. Ademais esse "moderninho" e curioso rito de posse na APL inclui ainda uma particular e inusitada veste talar com direito até o capelo para, por assim dizer, "ungir" o novo empossando. A "pomposa" veste talar pretende simular a beca dos Deões das velhas universidades ao conferirem um verdadeiro grau acadêmico (universitário). Enfim, essa atual tendência apócrifa da moda acadêmica na APL delineia uma alienígena e tragicômica manifestação de poder fantasioso que Freud pode bem explicar (e eu me permito também interpretar aqui, já que fui psicanalisado por psicanalista didata em São Paulo). Entristece o fato de que tudo isso realça bastante o que mais está faltando atualmente na Academia.
A bem da verdade a APL não é, não precisa fingir que é nem jamais foi uma instituição de ensino superior que confere grau universitário, seja ele qual for. Além disso, não possui Reitor mas sim Presidente eleito democraticamente  e sem poderes absolutistas. Afinal de contas nenhum empossando fica lá mais valorizado do que já é ao "receber" um "grau acadêmico" que não existe, "conferido" por uma instituição sem autoridade para tanto Creio que este tipo de cena surreal está sendo até insuficiente porque, além de se dar lá a impressão pública de que se "concede" um "grau acadêmico" aos seus empossandos, a APL resolveu também, por exemplo, ao patrocinar uma justíssima solenidade comemorativa, tomar como parceira oficial uma "entidade cultural" que nunca existiu no plano real. Como se vê, estamos de fato vivendo tempos surreais.
É diante de tudo isso que, como Membro Efetivo da APL (até prova em contrário) tenho sentido nos últimos tempos muita fome de atividades literárias e culturais próprias, por ela promovidas, tais como palestras, conclaves, cursos e outros encontros (até os informais), como já sugeri anteriormente. Em tempo, não estou me reportando aqui àqueles bem-vindos e eventuais lançamentos de livros de autores não pertencentes ao seu quadro, os quais recorrem à Academia com tal intento. Este tipo de evento promocional, de natureza cultural, é bastante saudável porém não deve ser confundido com as já mencionadas atividade culturais próprias da Academia. Também tenho sentido muita sede de uma ordem administrativa mais eficiente e mais compartilhada com os demais Membros dessa Academia que são (no máximo) apenas quarenta, a fim de que ela não venha a se expor (na Internet por exemplo) como fonte de informações vexatórias e descabidas, de erros de várias naturezas, além de outros dados inaceitáveis. Até sua tradicional Revista está esquecida desde 2011. Trata-se portanto de uma situação muito constrangedora para quem gosta de letras e cultura.


* Professor Emérito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Ex-Pesquisador de História do Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional da Universidade Federal da Paraíba (NDIHR/UFPB), Membro Efetivo do Instituto Paraibana de Genealogia e Heráldica (IPGH), Membro Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano (IHGP), Membro Honorário do Instituto Histórico e Geográfico do Cariri (IHGC), Membro Correspondente do (extinto) Instituto Histórico e Geográfico de Campina Grande (IHGCG), Membro Correspondente do Instituto Histórico de Campina Grande (IHCG), Membro Correspondente Brasileiro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), Membro Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), Membro Correspondente do Instituto Arqueológico Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP), Membro Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL), Membro Correspondente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHBA), Membro Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP), Membro Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (IHGPR), Membro Efetivo da Sociedade Paraibana de Arqueologia (SPA), Membro Efetivo da Academia Paraibana de Medicina (APMED), Membro Efetivo da Academia Paraibana de Filosofia (APF), Membro Efetivo da Academia Paraibana de Letras (APL) Membro Efetivo (Fundador) da Academia de Letras e Artes do Nordeste - Núcleo da Paraíba (ALANE - PB), Membro Efetivo da União Brasileira de Escritores - Núcleo da Paraíba (UBE - PB), Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional da Paraíba (SOBRAMES - PB) e Membro Efetivo da Academia de Letras de Areia (ALA).

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O POTENCIAL DA HISTÓRIA DA CAPITAL PARAIBANA NO DESENVOLVIMENTO DO SEU TURISMO CULTURAL

Por Guilherme Gomes da Silveira d'Avila Lins *

Na percepção de uma pessoa comum como eu, é natural que, diante de qualquer cogitação acerca do desenvolvimento das atividades turísticas politicamente corretas em uma determinada cidade, os seus potenciais usuários tenham em mente certos requisitos ou expectativas inerentes àquelas finalidades.



Esses potenciais visitantes que buscam atividades de lazer esperam encontrar na cidade por eles escolhida — além de uma infra-estrutura operacional, necessária para se receber turistas — determinadas características básicas como, por exemplo, clima aprazível, povo de índole acolhedora, uma razoável variedade de recursos naturais, peculiaridades interessantes no conjunto arquitetônico e urbanístico daquele lugar, assim como uma atraente diversidade na cultura local, seja popular, seja erudita.


Muito a propósito, tais características básicas servem como uma luva à capital paraibana ou, melhor dizendo, à toda grande João Pessoa, composta de vários municípios, embora deva-se admitir que a Paraíba despertou um pouco tarde para a indescartável realidade do turismo no mundo moderno. De todo modo, antes tarde do que nunca. Afinal de contas, há bastante tempo o turismo, como meio de desenvolvimento econômico e social das cidades, vem sendo praticado em todo o mundo civilizado, desde que essas cidades disponham de produtos turísticos apetecíveis e que merecem ser ofertados ao mundo exterior.


No meu modesto entender, em princípio, as diretrizes do planejamento turístico de uma determinada cidade devem ser concebidas de uma forma, a mais autêntica possível e fiel às suas realidades locais, e precisam também se revestir, tanto quanto oportuno, de um formato educativo e até pedagógico, a fim de que possam ser vistas como representativas da identidade cultural daquele específico lugar. Noutras palavras, aos turistas faz-se necessário oferecer as fantásticas realidades daquele específico lugar e não as alegóricas realidades alienígenas.


Ainda na opinião de um leigo em turismo como eu, ou seja, no entendimento de alguém que não fabrica o pão, apenas o degusta e o consome, quero crer que o planejamento turístico de uma localidade deveria ficar sob o manto de uma política reguladora do poder público. É evidente que não se pode descartar aí a desejável colaboração da iniciativa privada, tanto nas idéias que são propostas, quanto na participação financeira da sua viabilização.


No caso particular da grande João Pessoa, por exemplo, parece razoável que um planejamento global de turismo dar-se-ia através de um trabalho conjunto, mediante convênios entre os poderes executivos de cada um dos municípios aí envolvidos, tendo como objetivo comum a sistematização integrada das mais diversas ações de lazer a serem ofertadas aos visitantes daquém e dalém mar.


Afunilando agora o propósito essencial destas minhas palavras, devo dizer que raros são os rincões deste País que — além de possuírem aqueles requisitos básicos, há pouco mencionados, sinalizadores de um turismo promissor — também dispõem de uma História rica, embasada em crônicas primordiais ou documentos contemporâneos do seu próprio alvorecer, fontes estas que contêm elementos históricos preciosos, os quais se prestam muito bem para propósitos turísticos do melhor nível.


Sem dúvida, a Paraíba, mais particularmente a atual grande João Pessoa, se enquadra entre aqueles privilegiados rincões brasileiros que possuem uma História rica, como a que acabo de caracterizar. Suas fontes históricas primárias nos dão conta, à guisa de ilustração, de primitivos trajetos fluviais e de antigos monumentos arquitetônicos de valor inestimável, como é o caso das nossas primitivas fortificações, assunto ao qual venho dedicando minhas pesquisas históricas há já algumas décadas.


É bem verdade que atualmente, excetuando o forte do Cabedelo (já numa versão arquitetônica do Século XVIII, portanto, bastante tardia), não mais existe a quase totalidade daqueles monumentos arquitetônicos a que me referi, entretanto, eles não estão absolutamente perdidos. Acerca de alguns deles, como o forte da fundação desta capital, possuo inclusive as suas características arquitetônicas, bastante fiéis, resultado de meus longos estudos pachorrentos.


Dessa maneira, vários desses antigos fortes da grande João Pessoa poderiam ser reconstruídos, gradativamente, sem muito ônus, já que eles eram de pequeno porte e tinham a estrutura de madeira rebocada, além do fato de ser hoje quase irrisório o custo decorrente da desapropriação dos respectivos terrenos para o interesse público.


Assim, esses fortes serviriam para fins culturais, compondo um grandioso cenário histórico, muito propício às atividades turísticas desta terra, à semelhança do que se pode observar em vários locais do mundo, todavia, com mais vantagens. Digo com mais vantagens porque o produto final desse empreendimento, em médio prazo, não seria apenas um único e já extinto monumento a ser recuperado do limbo em que se encontra, mas sim um grande sítio histórico-arqueológico formado por vários monumentos arquitetônicos do Século XVI.


Os propósitos turísticos dessa grande iniciativa cultural nem precisariam esperar o término de todas as obras para essas finalidades. Já a partir da reconstrução do primeiro antigo forte tais objetivos poderiam ser prontamente operacionalizados e iriam se ampliando progressivamente. Vale até a pena lembrar aqui que durou somente cerca de um mês de trabalho efetivo para se completar a edificação original de um daqueles fortes do Século XVI, ou seja, o forte do Varadouro, que marcou a conquista da Paraíba e que, no meu entender, deveria ser a primeira daquelas reconstruções, servindo também de museu. Aliás, como já antecipei, a correta fisionomia arquitetônica e a verdadeira localização do primitivo e extinto forte do Varadouro são perfeitamente conhecidas, mercê das pesquisas que pude realizar neste sentido.


Enfim, o novo forte do Varadouro teria, simbolicamente, alguns membros da sua guarnição vestidos em trajes da época, além de um guia devidamente treinado para contar aos turistas (e também aos alunos e demais habitantes desta terra) os fatos mais representativos daquele monumento histórico, além de alguns outros fatos da sua época. Como esse forte do Varadouro tinha as costas voltadas para o rio Sanhauá, situando-se à beira de um outrora excelente cais natural, posso agora, adicionalmente, dar asas à imaginação para enriquecer mais esse quadro.


Fico, pois, a vislumbrar também a construção de uma caravela adequadamente construída — e não daquele tipo vexaminoso que quase naufragou por ocasão das comemorações dos 500 anos do Brasil — fundeada no rio Sanhauá a fim de levar seus passageiros, turistas ou moradores da terra, para um belo passeio cultural. Ela navegaria no rumo do Paraíba, rio abaixo, passando mais adiante pela praia (fluvial) do Jacaré e depois pela atualmente denominada ilha da Restinga (onde existiu uma pequena fortificação no Século XVI protegendo a morada do inditoso Manoel de Azevedo, o primeiro Provedor da Fazenda Real na Capitania da Paraíba, como pude demonstrar). Daí seguiria em frente até o forte do Cabedelo, hoje com feição bem diferente da original. Deste ponto a caravela retornaria pela margem esquerda do rio Paraíba, passando pelo local do pioneiro forte de São Filipe e São Tiago (primeira semente efetiva da conquista desta terra, entretanto, malograda, forte este que também poderá ser reedificado oportunamente). Depois disso a caravela passaria pelo sítio do antigo forte do Inobi (sob a invocação de Santa Margarida, como também pude verificar), situado igualmente à margem esquerda do rio Paraíba. Finalmente, ela atracaria junto ao antigo porto da canária, e não da "porto da casaria", como bem retificou o saudoso Otacílio Nóbrega de Queiroz e, mais tarde, tive também a oportunidade de ratificar a mesma contestação. Este porto da canária foi posteriormente chamado de varadouro das naus do rio Sanhauá e hoje constitui um local bastante assoreado, quase irreconhecível, da parte baixa do Bairro do Varadouro na capital paraibana.


Incidentalmente, abro aqui um espaço para dizer que não consigo imaginar outra iniciativa mais eficaz do que a reconstrução do forte do Varadouro, que acabo de sugerir, com meio suscitador de uma verdadeira revitalização do Bairro do Varadouro, outrora tão importante e hoje tão decadente. Assim me posiciono porque entendo que uma revitalização desse tipo vai muito além da pintura dos seus prédios e da pontual restauração de algumas de suas edificações naquela área. Advirto, desde já, que não pretendo aqui minimizar o louvável trabalho até agora realizado nesse sentido, o que, por si só, já constitui um importante passo entre os vários que deveriam ser ainda palmilhados. O que quero dizer é que, no meu parecer, revitalizar uma área urbana decadente, em última análise, é vivificar essa área. É restaurar não apenas a sua aparência, mas também mobilizar efetivamente o interesse social por ela. Sem se promover o resgate desse interesse social, enfim, sem se promover, de algum modo eficaz, a recuperação do antigo valor que essa importante área urbana teve mas perdeu, tornando-se aos poucos decadente em decorrência do deslocamento topográfico do seu primitivo interesse, o resultado do que já foi feito até agora será, infelizmente, uma área urbana limpa e bem apresentável, entretanto, sem que isto interfira na sua decadência e no seu progressivo despovoamento.


É preciso lembrar que os bairros de uma cidade são como as pessoas: eles nascem, crescem, atingem a adultícia e a sua maior pujança para depois envelhecerem progressivamente e, se não receberem a tempo os necessários cuidados geriátricos, certamente morrerão bem mais cedo do que se pode esperar.


Voltando agora aos sucessivos passos daquele vasto sítio histórico--arqueológico, de inegável valor cultural e enorme potencial turístico, posso agora entendê-los, na parte ou no todo, como os atos de uma grandiosa peça teatral. Os elementos que a compõem podem ser comparados a "recriações" ou "remontagens" de um "cenário" histórico a ser visto e "revivenciado" por uma "platéia" de "expectadores-atores", ou seja, a própria população desta terra e os turistas curiosos quanto às origens deste País. Estes últimos serão, a princípio, atraídos por algum criativo apelo publicitário com objetivos turísticos, mas se transmutarão em naturais multiplicadores dos afluxos turísticos subseqüentes, mediante a divulgação que, por certo, eles próprios farão após sua inesquecível experiência cultural, inédita neste País.


Assim, a grande João Pessoa, detentora de tanta riqueza histórica, poderá vir a representar, em médio prazo, um dos mais importantes pólos turísticos nacionais em função do seu incomum filão cultural, ainda virgem como produto turístico, de relativo baixo custo porém de elevado nível para a promoção do desenvolvimento social e econômico dessa terra.



* Professor Emérito da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), Membro Efetivo do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica (IPGH), Membro Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Paraíbano (IHGP), Membro Honorário do Instituto Histórico e Geográfico do Cariri (IHGC), Membro Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Campina Grande (IHGCG), Membro Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Norte (IHGRN), Membro Correspondente do Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano (IAHGP), Membro Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de Alagoas (IHGAL), Membro Correspondente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), Membro Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo (IHGSP), Membro Correspondente do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná (IHGPR), Ex-Pesquisador de História do Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional da Universidade Federal da Paraíba (NDIHR/UFPB), Membro Efetivo da Sociedade Brasileira de Médicos Escritores - Regional da Paraíba (SOBRAMES - PB), Membro Efetivo da Academia Paraibana de Medicina (APMED), Membro Colaborador da Associação Paraibana de Imprensa (API), Membro Efetivo da Academia de Letras e Artes do Nordeste - Núcleo da Paraíba (ALANE - PB) e Membro Efetivo da Academia Paraibana de Letras (APL).

quinta-feira, 22 de julho de 2010

A CAPITAL PARAIBANA PRECISA DE UM URGENTE PRESENTE DE ANIVERSÁRIO: A CORREÇÃO DA DATA DE SUA FUNDAÇÃO (4 de novembro de 1585)


Por Guilherme Gomes da Silveira d’Avila Lins *

Desde 1930, denominada oficialmente Cidade de João Pessoa, a capital paraibana está a completar 425 anos de fundação, ocorrida em 1585. Essa fundação, todavia, para surpresa de muitos, não se deu no dia 5 de agosto como reza uma “fantasia” anti-histórica mais ou menos recente, festejada como “verdade oficial”, mas ocorreu, sim, no dia 4 de novembro, data que precisa ser restaurada, o quanto antes, em respeito à realidade histórica desta terra, apoiada que está em documentação coeva e fidedigna. As autoridades competentes devem essa retificação de data à população paraibana de um modo geral, particularmente às nossas crianças em início do aprendizado, mas também aos estudiosos da nossa História local.

A manutenção e perpetuação daquele erro grosseiro de data é simplesmente inaceitável porque agride um importante e detalhado depoimento manuscrito de uma confiável testemunha ocular da fundação desta cidade em 1585, ou seja, o jesuíta anônimo, autor do Sumário das Armadas. Dessa maneira, a persistência do citado erro grosseiro caracteriza um lamentável desrespeito à integridade histórica da Paraíba e só depõe contra a própria terra e sua gente.

Diga-se desde já que não sou o primeiro a lamentar este triste constrangimento de natureza histórica. Antes de mim, conceituados pesquisadores como Durwal Albuquerque (1937, 1946) e Horácio de Almeida (1966, 1978, 1997) já o fizeram sem resultar daí qualquer efeito (Como a mentira histórica se enraíza fortemente...), entretanto, tenho a esperança de ser o último a fazê-lo, caso contrário serei obrigado a adotar a tática da denúncia permanentemente repetitiva desse erro histórico até vir a ser ouvido. Tal medida extrema se justifica porque a situação atual, por analogia, pode ser comparada, por exemplo, a uma outra hipotética e absurda na qual alguém resolveria adotar oficialmente o Dia do Fico (9 de janeiro de 1822) como o Dia da Independência do Brasil (7 de setembro de 1822).

Atente-se também para o fato de que, dentre os principais representantes da historiografia paraibana, a aludida agressão histórica contra a verdadeira data de fundação da capital paraibana não foi cometida (nem poderia ter sido cometida) por autores do quilate de Maximiano Lopes Machado (ao se apoiar em fonte primária), Irineu Ferreira Pinto (ao seguir boa fonte secundária), João Rodrigues Coriolano de Medeiros (ao acompanhar boa fonte secundária), Celso Mariz (ao se guiar por boa fonte secundária) e Horácio de Almeida (ao respeitar uma fonte primária). O mesmo pode ser dito em relação a dois dos mais lídimos representantes da historiografia nacional nos séculos XVII e XIX, Frei Vicente do Salvador e Francisco Adolpho de Varnhagen, ambos apoiados em fonte primária.

De todo modo, não importa procurar saber aqui quem foi o responsável moderno por aquele erro grosseiro sobre a data de fundação da capital paraibana mas sim esclarecer, ao menos superficialmente, a correspondente realidade histórica a fim de oferecer subsídios para a retificação da malsinada equivocação. Segue-se, pois, um sumário bastante elementar dos fatos em questão.

A festejada data de 5 de agosto de 1585 (consagrada à Nossa Senhora das Neves) nunca foi o Dia da Fundação da capital paraibana mas sim o Dia das Pazes celebradas entre o elemento colonizador português (tendo à frente João Tavares, acompanhado de mais sete portugueses, no comando de uma caravela que levara ainda 12 soldados espanhóis, a qual seguiu na dianteira para a Paraíba por ordem do Ouvidor Geral Martim Leitão) e os indígenas da facção dos tabajara (com destaque para Pirajiba e Guirajiba).

Uma vez conseguidas essas pazes com os tabajara, nenhuma obra marcando a fundação da capital paraibana foi levantada naquela ocasião por João Tavares e seus companheiros de caravela. Ficaram eles, além de a observar os melhores sítios para se iniciar uma povoação a partir de um forte para a sua defesa, também a aguardar o corpo expedicionário propriamente dito que estava para vir por terra de Pernambuco sob o comando do Ouvidor Geral Martim Leitão. Esse corpo expedicionário chegou à Paraíba somente a 29 de outubro de 1585. É claro que ao Ouvidor Geral Martim Leitão coube a palavra final sobre a escolha do local onde foi levantada a primeira obra da capital paraibana, ou seja, o forte do Varadouro, iniciado precisamente no dia 4 de novembro de 1585 (e concluído antes de 20 de janeiro de 1586).

Assim, o dia 4 de novembro de 1585 é a verdadeira data da fundação da capital paraibana, que teve por padroeira Nossa Senhora das Neves em homenagem àquele feliz Dia das Pazes (5 de agosto de 1585) com os índios da facção tabajara.

Em quem me baseio para afirmar tudo isso ? Obviamente no Sumário das Armadas (a mais antiga crônica da Paraíba em língua portuguesa), cujo autor foi testemunha presencial desses feitos. Tudo o mais não passa de um lamentável equívoco histórico que inclusive possui adeptos (desavisados) mas esse erro crasso precisa de urgente retificação para que nos livremos de uma pecha muito pouco recomendável. Em tempo, há também quem, diante dessa questão tão incômoda se pronuncie da forma mais ambígua possível dizendo que “tanto faz uma data como a outra” (?) ou que “data não importa” (?). Os que pensam assim precisam buscar uma explicação mais convincente, caso contrário não haveria nenhum problema, por exemplo, em comemorar a nossa Independência no dia do Natal.

Para finalizar, alguém haverá de perguntar: “Se fizermos essa retificação o que acontecerá com o dia 5 de agosto?” O dia 5 de agosto continuará sendo, como sempre foi, o Dia da Padroeira (da capital paraibana, ou seja, o Dia de Nossa Senhora das Neves), que abrange da mesma maneira a tradicional Festa das Neves, todavia não mais poderá ser chamado de Dia da Fundação ou Dia do Aniversário da cidade, mas até o Dia das Pazes (com os tabajara). Só que no dia 4 de novembro teremos que comemorar de alguma maneira o Aniversário ou a Fundação desta cidade. Faça-se, pois, justiça à História da Paraíba que, infelizmente, vem sendo repetitivamente agredida (neste e em vários outros aspectos) por alguns dos seus modernos guardiães.

* Professor Emérito da Universidade Federal da Paraíba, Membro Efetivo da Academia Paraibana de Letras, Membro Efetivo da Academia de Letras e Artes do Nordeste, Membro Efetivo da Academia Paraibana de Filosofia, Membro Efetivo da Academia Paraibana de Medicina, Membro Efetivo do Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica, Membro Efetivo do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano e Membro Correspondente dos Institutos Históricos e Geográficos do Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Bahia, São Paulo e Paraná.

Crédito da imagem: Globo Filmes